Episode Transcript
[00:00:00] Gretel Schaj: Estão ouvindo? Estão ouvindo bem? Dizem olá.
[00:00:03] Sofia Pires: OK.
[00:00:08] Gretel Schaj: Hoje vamos mergulhar num tópico que aborda a saúde pública, a ação climática, a inclusão social e a justiça espacial, tudo ao mesmo tempo, a mobilidade ativa. À medida que as cidades se esforçam por descarbonizar os transportes e recuperar as ruas para as pessoas, andar a pé e de bicicleta já não são apenas alternativas, estão a tornar-se pilares centrais das estratégias de mobilidade urbana.
E não há melhor convidada para nos ajudar a desvendar isto do que é a Sofia Pires Bento, que trabalha na Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa no Instituto da Mobilidade e dos Transportes em Portugal. Bem-vinda, Sofia.
[00:00:55] Sofia Pires: Obrigada.
[00:00:57] Gretel Schaj: Então, Sofia, vives em Lisboa, certo?
[00:01:01] Sofia Pires: Trabalho em Lisboa e vivo no Conselho da Área Metropolitana de Lisboa.
[00:01:06] Gretel Schaj: Deixe-me começar com uma pergunta divertida e fácil para aquecer. Se tivesses de escolher apenas três palavras para descrever os sistemas de mobilidade de Lisboa ou da área metropolitana, quais seriam estas palavras e porquê?
[00:01:22] Sofia Pires: Ok, então acho que começaria por dizer que é um sistema desafiador porque a área metropolitana de Lisboa é composta por 18 concelhos e todos eles com inter-relações muito fortes.
E nesse sentido acho que é de facto um desafio grande fazer um sistema de transportes em concelhos tão distintos e garantir as ligações e permitir às pessoas que se desloquem no sítio onde residem, para onde trabalham ou para onde estudam. Portanto, a área metropolitana tem várias realidades, tem zonas muito urbanas, consolidadas, mas na verdade também tem zonas periurbanas e que têm os seus dificuldades. Portanto, nesse sentido acho que é um sistema desafiador. Depois, acho que outro adjetivo que pode caracterizar a mobilidade na área metropolitana de Lisboa tem a ver com mudança, porque já começou em 2019 uma revolução no sistema de transporte da área metropolitana de Lisboa, a nível de tarifários, em que passámos a ter um reforço da oferta, também financiado por um programa de administração central, e que veio a diminuir o preço das tarifas e passámos a ter uma opção do navegante metropolitano que permite viajar em 18 concelhos por apenas 40 euros e o metropolitano, este é o metropolitano e depois o outro, que é o municipal, que custa 30 euros e dura para o mês inteiro. Portanto, acho que estamos aqui a operar uma mudança, também com o reforço da oferta, com uma aposta na mobilidade ativa e também na mobilidade partilhada. Portanto, neste sentido, acho que é mudança. E depois acho que tem muito a ver também com uma perspectiva integrada. em que o facto de ter havido a integração tarifária e também modal é um trabalho muito grande. Também ao nível da governança, o facto de ter sido criado a transportes metropolitanos de Lisboa, veio aqui congregar todos os operadores de transporte, os municípios, na perspetiva de ter uma rede coesa de transportes. Portanto, seriam estes os três adjetivos que eu utilizaria para descrever a mobilidade, o sistema de mobilidade na área metropolitana de Lisboa.
[00:03:34] Gretel Schaj: Muito interessante, Sofia. Bom, vamos começar pelo início, acho. Qual é a tua história e como é que descobriste o caminho para a mobilidade urbana e o transportativo?
[00:03:47] Sofia Pires: Ok, então, a minha história. A minha história começa já há alguns anos. Eu sou geógrafa de formação e, portanto, a geografia é aquela ciência que congrega diferentes disciplinas, diferentes áreas do saber, e isso dá-me uma perspectiva alargada do que se passa no território. Portanto, essa perspectiva multidisciplinar que um geógrafo tem acaba sempre por ser importante. Portanto, este percurso começou há mais de 20 anos. A minha primeira experiência de trabalho foi no setor privado.
em sistemas de informação geográfica, era uma coisa que de facto não me preenchia porque era muito cartografia, digital, bases de dados, era uma coisa que me faltava muito o contacto com pessoas. Depois tive a oportunidade de ir trabalhar para uma câmara municipal no interior do Foi uma experiência incrível, porque estive lá seis anos, era um município de um tamanho pequeno, no interior do país, que em Portugal tem desafios enormes, mas foi uma experiência muito enriquecedora e nessa altura trabalhei em ordenamento do território, em desenvolvimento rural, em agenda 21 local, e daí começou o meu interesse muito grande pela participação pública e pelo desenvolvimento dos cidadãos, e portanto também este gosto que eu tenho pela área da governança.
Depois disto, desta experiência de 6 anos, ingressei no IMT, portanto no Instituto da Mobilidade dos Transportes, em 2010, portanto faz este ano 15 anos que estou no IMT, e fui parar a mobilidade ativa um bocadinho por acaso. Eu antes tinha estado a fazer uma formação, um curso avançado em gestão pública, E esse curso dava-me acesso ao IMT, e na altura foi-me solicitado para fazer um trabalho de integração no IMT, e que por acaso foi sobre transportes públicos urbanos. Na altura estavam a começar a aparecer estes sistemas municipais em Portugal, e portanto aquilo que me foi solicitado foi uma análise de três conceitos diferentes, com diferentes realidades, com diferentes opções de negócio, e eu pensei que era isso que eu ia fazer quando ingressasse então num instituto.
Afinal, quando iniciei funções, o Instituto estava a atravessar grandes desafios, estávamos a fazer o pacote da mobilidade, não o pacote da mobilidade urbana e europeu, o pacote da mobilidade português, e também tinha sido acabado de publicar uma resolução da Assembleia da República que determinava que fosse elaborado um plano uma estratégia nacional para a mobilidade, na altura só se chamava Suave, mobilidade Suave, e mobilidade ciclável e muito pouco se falava sobre mobilidade pedonal. E portanto nós fizemos o Ciclândia e esse foi o meu grande mergulho na área da mobilidade ativa, na altura chamada Suave. Depois disso estive envolvida em vários projetos, não só da mobilidade ativa, mas também do transporte inteligente, do condição autónoma e conectada, já andei pela área da tecnologia, Entretanto, acho que me cansei das luzes da tecnologia e desde há 5 anos que estou dedicada a trabalhar na área da mobilidade ativa. Antes também tive uma passagem pela Segurança Rodoviária, onde fui chefe de divisão de planeamento e sensibilização. e portanto mais uma vez, apesar de ser um assunto que não é muito interessante, que são mortos e feridos na estrada, mas tinha a componente humana também, e portanto esta questão da educação rodoviária e do sensibilizar para comportamentos mais responsáveis, e depois regressei então ao instituto e desde há cinco anos estou com, quando cheguei tinha acabado de ser publicada a estratégia para a mobilidade ciclável, e depois tínhamos o desafio de fazer a Estratégia Nacional para a Mobilidade Polonar, que era uma coisa que em Portugal nunca tinha sido feita. Ninguém sabia muito bem se íamos ser capazes de fazer um documento estratégico para o andar a pé e, portanto, foi este o meu percurso na área dos transportes e da mobilidade. Começou por ser sistemas de informação geográfica, ordenamento do território, desenvolvimento urbano e depois agora transportes.
[00:08:03] Gretel Schaj: Muito interessante a tua experiência e já começaste a falar da mobilidade ativa e, frequentemente, Pois, a ignorância frequentemente está enquadrada como sendo apenas adicionar ciclovias, mas o teu trabalho mostra que é muito mais do que isso. Podes explicar o que é realmente a mobilidade ativa?
[00:08:25] Sofia Pires: Sim, claro. Mobilidade ativa, eu já uma vez fiz um post em que escrevia que trabalhar em mobilidade ativa requer muitos conhecimentos, conhecimentos muito variados, que vão muito para além do que é o transporte e a mobilidade, porque também é sobre espaço público, é sobre segurança pessoal, sobre segurança rodoviária, É sobre iluminação, é sobre continuidade dos percursos, sobre qualidade de vida urbana, atividade física, e quer dizer, são tantas áreas, mas eu acho que a minha formação de base, o facto de vir de geografia, me ajuda a ter esta abordagem mais holística. E portanto, quando se trabalha em mobilidade ativa, não se pode pensar que é apenas aquela malta que vai andar de bicicleta e que é muito mais Isso predomina mais, propriamente, a questão do andar a pé. Acho que a questão do andar a pé, apesar de ser o modo de deslocação que todos nós usamos, É aquilo que agora é que está mais em voga, eu acho que isso vem muito desde a pandemia, que as pessoas perceberam que afinal andar a pé é um modo seguro de transporte, porque acho que tinha sido esquecido. Portanto, a mobilidade ativa, respondendo à questão, não é bicicletas, não é ciclovias, é muito mais do que isso, é no fundo responder às necessidades das pessoas. E é integrar todos, estamos a falar de inclusão social, equidade, coesão territorial, porque assim, todos nós andamos a pé, ok? Podemos nem todos andar a pé se tivermos algum condicionamento que não nos permita andar a pé, mas se não andarmos deslocamos-nos em algum tipo de aparelho que nos ajude a fazer essa deslocação, seja uma cadeira de rodas ou o que quer que seja. Mas na verdade é isto, mobilidade ativa são pessoas, é mover pessoas. Eu ultimamente tenho usado um claim, gostava muito que pegasse moda e que fosse adotado e aplicado, que é o nosso papel é mover pessoas, não é mover carros. E portanto esta questão de recentrarmos a mobilidade nas pessoas e não no material circulante, não nos veículos, não nos comboios, é nada disso, mas nas pessoas, no fundo mobilidade ativa é isso, são as formas mais elementares de deslocação, são as mais democráticas, porque toda a gente à partida consegue andar a pé, se não consegue desloca-se, e não requer nenhuma habilitação específica, não requer nenhum skill específico, e portanto para mim a mobilidade ativa são pessoas, é uma perspectiva muito mais humanista da mobilidade.
[00:10:54] Gretel Schaj: Eu gosto desse conceito. Eu vou desafiar-te um bocado. Se uma pessoa utiliza o carro para a maioria das suas deslocações, como é que as cidades podem realmente encorajá-lo a deixar a comodidade em casa e andar a pé, de bicicleta ou mesmo combina-lo.
[00:11:15] Sofia Pires: Com os transportes públicos?
[00:11:16] Gretel Schaj: Como é que podemos fazer a escala necessária nas cidades para essa mudança?
[00:11:23] Sofia Pires: Não é uma coisa que vai acontecer de hoje para amanhã. Eu acho que a mudança mais demorada é a mudança de mentalidade, a questão cultural. Nós em Portugal ainda estamos muito car-centric, ainda pensamos muito em tudo ligado ao carro, continuamos a construir cidades para os carros, as pessoas ainda olham para o carro como um estatuto, de se eu tiver um bom carro é porque é sinal de sucesso, é porque eu estou bem na vida, o transporte público é para quem não tem outras opções, Esse mindset tem que mudar. Mas não vai acontecer de hoje para amanhã. Nós tivemos um secretário de Estado que dizia que a mudança não se faz por decreto. Nós não emitimos um decreto e decretamos que as pessoas de hoje para amanhã passam a andar a pé ou passam a andar por bicicleta. Isso não é possível de acontecer. Aquilo que deve acontecer é que as pessoas devem ser cada vez mais informadas, Portanto, é uma questão de liderança e mobilidade. Tem que perceber que as escolhas que fazem têm implicações não só individuais, mas coletivas. Tem que perceber que não há espaço para todos. Nem todos podemos ir de carro, não dá. O espaço é finito, o espaço urbano é limitado, tem que ser gerido, têm que ser feitas opções. E também não podemos esquecer que estamos a atravessar uma crise climática. E enfim, todo este contexto que nós estamos a viver atualmente, ainda agora tivemos a pandemia, tivemos este apagão ibérico, que de facto nos leva a pensar que se calhar não nos podemos continuar a mover de carro e temos que encontrar outras formas. Portanto, não é uma coisa que vai acontecer de um dia para o outro, o que nós temos que criar é melhores condições, mais seguras para as pessoas andarem a pé e bicicleta, Também temos que as deixar experimentar. Eu acho que neste contexto, especialmente das bicicletas, Acho que uma forma de atrair pessoas é, por exemplo, as cidades terem sistemas de bicicletas partilhados, bike sharing, porque não implica que a pessoa tenha uma bicicleta, a pessoa pode chegar, desbloquear uma bicicleta e experimentar. E até pode ser que se ganhe assim alguém para andar de bicicleta. Quanto ao andar a pé, é de facto dignificar essa forma de deslocação e relembrar às pessoas que os nossos pés e as nossas pernas são máquinas potentíssimas no contexto da mobilidade urbana.
[00:13:39] Gretel Schaj: Muito interessante. Há também um fenómeno, eu diria, mas também interessante. Alguns estudos demonstram que a adoção de trotinetes elétricas reduziu a quantidade de pessoas que se deslocam a pé, em vez de estas afastarem-se dos seus automóveis. O que é que aconselharias às cidades que vivem este fenómeno ou os fenómenos semelhantes?
[00:14:11] Sofia Pires: Eu, em relação às trotinetas, por muito que isto possa chocar, eu considero que as trotinetas são uma opção viável no contexto urbano. Ele deve ser utilizado com bom senso e com regras.
De facto, o objetivo das trotinetas não é tirar as pessoas dos modos mais sustentáveis, daqueles que não emitem mesmo, não fazem emissões, como andar a pé ou andar de bicicleta, claro que se a bicicleta for elétrica já faz algumas emissões por causa da bateria e do seu fabrico, mas eu vejo as trotinetas até como uma peça importante, especialmente na primeira e na segunda milha. Agora, elas têm que ser reguladas. não pode haver uma utilização desenfreada das mesmas, e portanto tem que haver aqui toda uma política de introdução das trotinetas, de ver que elas são complementares ao transporte público, que podem servir públicos que até não tinham outras opções. Eu noutro dia fiquei surpreendida porque eu achava que as grandes áreas de negócio e onde prosperavam os sistemas de bike sharing eram essencialmente zonas urbanas consolidadas, e vim a descobrir que em Portugal está exatamente a acontecer o contrário. Então descobri isto numa conferência onde estive e percebi que neste momento o boom das trotinetas em Portugal está a verificar sensidades médias ou pequena dimensão, que não tem massa grídica o suficiente para ter sistemas de transporte populares tradicionais.
Ter esta oferta, deste tipo de veículos partilhados, acaba por colmatar falhas no serviço. Portanto, nesta perspectiva fiquei surpreendida com isto, mas é um sentido bom. Agora é assim, entre trotinetas e peões, sem dúvida, peões. Primeiro os peões, sempre os peões. A trotineta eu não gosto muito de diabolizar, prefiro vê-la como um aliado. Agora, que não pode ser usada indiscriminadamente, não pode. Portanto, acho que temos que Ver o lado bom que este tipo de veículos, e não só as tratinetas, como também todos os outros personal mobility devices, podem trazer para ajudar a descarbonizar a mobilidade. Idealmente era tirar as pessoas dos carros para usar estes modos e não tirar o peão do seu hábitat natural de caminhar para o pôr em cima de uma tratineta.
[00:16:30] Gretel Schaj: É muito interessante, eu acho que também me liga com o tema que estávamos a desenvolver ao início, que é a participação pública e a educação. Que papel desempenha a participação pública na definição de políticas de mobilidade ativa bem sucessivas?
[00:16:48] Sofia Pires: Olha, posso partilhar, eu acho que é um exemplo bem sucedido, que foi quando nós elaborámos a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Perdonal, ela assentou numa forte participação pública, num forte envolvimento público. E estou a falar de momentos distintos. Nós quando iniciámos os trabalhos, desde logo abrimos canais de participação pública, abrimos um formulário, criámos um endereço de e-mail, em que recebemos várias participações de cidadãos, porque todos caminham, todos sabem quais são os problemas que os afetam, e tivemos uma forte participação de pessoas a relatarem-nos, muitas vezes, casos pessoais, que obviamente não serão tratados no âmbito de uma estratégia nacional, mas servem para ilustrar muitas situações. Por exemplo, casos de pessoas que viviam num apartamento em uma paragem de autocarro, relativamente poucos metros, mas não conseguiam lá chegar por causa da descontinuidade dos passeios, ou falta de iluminação, falta de segurança. Portanto, mesmo estes sons que vêm do cidadão foram ouvidos. Esse processo esteve sempre aberto durante toda a elaboração da estratégia. Depois, durante três meses, identificámos um conjunto de especialistas da academia, de órgãos profissionais, de associações do setor, tentámos ouvir toda a gente e durante três meses ouvimos um conjunto largadíssimo de especialistas e que nos falaram de tudo e foi aí que nós percebemos claramente que ok, a missão de elaborar a estratégia era nossa, da área dos transportes e da mobilidade, mas a estratégia era muito mais do que isso, era urbanismo, era espaço público, era saúde, era educação, era cultura, e portanto tivemos também esse momento super importante de auscultação dos especialistas. E por fim, quando chegámos ao final do processo, como a Estratégia Nacional é um documento legal, foi publicado em Diário da República, ele teve que entrar então naquilo que é a formalidade da participação pública. E aí foi para um site, neste caso o Consultalex, porque isso era um diploma legal, e aí também recebeu um conjunto enorme de contributos, e nós analisámos um a um, respondemos a cada uma das interações, temos um dossiê enorme sobre isso, Tudo aquilo que foi possível de aceitar foi integrado na versão final da estratégia e aquilo que não foi aceito há sempre uma justificação para não ter sido aceito. Portanto, eu acho que isto é extremamente importante porque isto faz ganhar as pessoas para o processo. E acho que facilita muito a aceitação, as pessoas sentem que tiveram uma participação naquilo e portanto elas vão defender aquilo. E neste sentido eu acho que a participação pública é absolutamente fundamental em qualquer processo de elaboração de uma política pública.
[00:19:34] Gretel Schaj: E não é fácil o processo, porque requer o tempo, a dedicação da equipa, de revisar tudo, dar uma resposta a toda a pessoa que está, pois, a contribuir à estratégia. Se é bom recebido ou não.
[00:19:53] Sofia Pires: Sim, todas as pessoas que nos mandaram um e-mail, receberam um e-mail de resposta e depois todas as propostas foram analisadas e estão dentro de um dossiê com essa fundamentação. Portanto, tentámos sempre também devolver às pessoas aquilo que nos deram. e sentir que eles fizeram parte deste processo.
[00:20:14] Gretel Schaj: Há uma outra coisa que eu encontro interessante. A mobilidade urbana normalmente é um assunto ligado às autoridades locais. No entanto, Portugal está a coordenar esforços também a nível nacional, como a estratégia de mobilidade ativa. Qual é o papel do Governo Nacional na mobilidade ativa?
[00:20:36] Sofia Pires: Tens toda a razão, a implementação de ações concretas e que fiquem à disposição do cidadão é totalmente local, e aqui a importância de nós termos os municípios connosco na implementação da estratégia, mas também faz muito sentido ter uma estratégia nacional, porque o que é que a estratégia faz? A estratégia faz o enquadramento. dá aqui toda a política pública. Primeiro faz uma articulação de diversos níveis, desde o nível internacional, com o nível nacional, com o nível metropolitano, regional, municipal. Faz tudo isso, faz esse alinhamento de atores e de diferentes escalas. E cria, no fundo, sentido de urgência pela ação. Neste sentido, eu acho que a estratégia é extremamente importante para alinhar atores, também para ir atrás do financiamento, porque se nós tivermos uma estratégia e tivermos objetivos delineados onde queremos chegar, é muito mais fácil pedir dinheiro para concretizar as ações que ali estão inscritas. Portanto, neste sentido, eu acho que termos uma estratégia nacional que está alinhada com o que é feito nas boas práticas europeias e não só, os próprios compromissos que o governo português assumiu em termos de neutralidade carbónica, combate às alterações climáticas, descarbonização e por aí fora, estão refletidos depois nas medidas que estão inscritas na estratégia, quer na Portugal, quer na Ciclável.
[00:21:59] Gretel Schaj: Muito interessante. Se hoje um líder de uma cidade viesse ter contigo e dissesse, queremos transformar a mobilidade da nossa cidade, por onde começamos e o que dirias?
[00:22:13] Sofia Pires: Ok, isso é um enorme desafio. Acho que a primeira coisa que eu lhe diria seria, ouça as pessoas. Chame as pessoas e pergunte o que é que elas precisam. Porque às vezes nós em gabinete achamos que A solução será aquela, será criar uma nova linha, ou uma nova rota, ou criar, sei lá, um serviço de transporte a pedido, mas na verdade as pessoas a única coisa que querem é bancos na paragem de autocarro. E isso aconteceu, por exemplo, agora em Lisboa, porque tentaram construir umas paragens de abrigos muito modernos e as pessoas aquilo que sentiram falta foi dos bancos. Porque isso é o que nós temos de fazer, nós temos de dar soluções às pessoas. E, portanto, é essencialmente ouvi-las. Claro que isto não é uma tarefa fácil, antes pelo contrário, até porque vai haver grupos de interesse distintos, todos vão puxar para o seu lado, vai haver discussões. Este processo não é fácil.
E, portanto, mais vale envolver toda a gente desde o início, se quiser fazer a coisa bem feita. Se não quiser fazer a coisa bem feita e fazer o caminho, é um bocadinho aquele velho ditado que é, se queres ir mais longe vai em grupo, se quiseres ir mais depressa vai sozinho. Se quiser implementar políticas de sucesso, as pessoas têm que ser envolvidas, têm que ser escutadas e têm que se dar resposta às necessidades que elas tenham. Coisas pequenas como esta, um banco, num abrigo, numa paragem, lá está o carro. Coisas muito simples. Isso pode resolver problemas que às vezes em gabinete os técnicos não têm noção dessas necessidades dos cidadãos. E portanto, nesse sentido, o meu maior conselho era, não espere milagres, Ouça as pessoas e tenha tempo. Há bocado falaste no facto de nós termos escolhido uma metodologia que foi muito demorada. Nós tínhamos um prazo para executar a estratégia pedonal que não cumprimos. mas que tivemos, conseguimos justificar o porquê que não o cumprimos, porque apostámos nesta metodologia de envolvimento e de participação. Infelizmente os decisores políticos da altura decidiram, sim senhor, vamos dar-vos o benefício da dúvida, vamos deixar que vocês avancem neste sentido da participação pública e não vamos fazer no timing que estava previsto. Mas às vezes há estas escolhas e que eu acho que neste caso se revelou bastante positiva.
[00:24:26] Gretel Schaj: Eu acho que é uma experiência muito interessante também. Pode inspirar também outras cidades, outros governos de outros países. Vamos a uma parte do podcast, que é o segmento Shoutout. Eu gostaria de mencionares uma pessoa, uma organização, uma cidade que acha que merece mais reconhecimento neste campo. E podes dizer também porquê.
[00:24:52] Sofia Pires: Ok, então aqui vou ser um bocadinho egoísta e vou destacar a rede colaborativa para a mobilidade ativa. Então o que é a rede? A rede é uma das medidas da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal, está prevista a criação de uma rede e que isto é extremamente importante e que também responde à tua pergunta anterior que tem a ver com os municípios. Existe uma grande falta de conhecimento sobre a mobilidade ativa. As pessoas que estão a exercer funções nos municípios foram formadas na engenharia de tráfego, nas cidades para os carros, e portanto elas agora têm que fazer uma atualização de conhecimentos e têm que mudar todo um paradigma do qual foram formadas. E têm muitas necessidades, tudo isto para eles É novidade, não é propriamente novidade porque andar de bicicleta e andar a pé sempre foi uma coisa que nós fizemos, mas conceber cidades sem há sistemas de transporte para isto é uma novidade e as câmaras precisam disso. E nós criámos então a rede colaborativa para a mobilidade ativa, criámos em março do ano passado e estamos muito satisfeitos com os resultados. Atualmente temos 234 entidades. dos quais 216 municípios, sendo que em Portugal continental existem 278, temos 16 comunidades intermunicipais, temos uma associação de municípios que voluntariamente veio perguntar se podia aderir e o nosso último membro foi Transportes Metropolitanos de Lisboa. O que é que nós fazemos com esta rede? Esta rede é uma mailing list, em que nós divulgamos oportunidades de financiamento, congressos, publicações, coisas da Comissão Europeia, e fizemos também uma coisa que eu acho particularmente interessante, e também na área da governança, que foi, nós temos noção de que a área da mobilidade ativa está muito dispersa nos municípios. Tanto pode estar na área da saúde, como na área do desporto, como na área da ação social, enfim, está dispersa por vários sítios. Nós tínhamos essa noção, mas não tínhamos a noção quantitativa disso, e então nós fizemos um questionário que lançámos por esta rede e agora temos números, e mais do que temos os números, portanto percebemos como é que as coisas estão organizadas, já descobrimos que não há um modelo ideal, porque estar tudo num departamento tem suas vantagens, mas ser multidepartamental tem outras vantagens, depende lá está do caminho que se quer escolher, percebemos as necessidades que existem em termos de apoio técnico, guias, normas, as necessidades que há em termos de financiamento, as necessidades que existem de formações. E então, neste sentido, começámos também a criar um ciclo de webinars que temos feito, já fizemos cinco. Começámos em fevereiro, o nosso primeiro webinar foi dedicado a um documento normativo para infraestruturas. O segundo foi sobre mobilidade escolar e ferramentas de cocriação, portanto o envolvimento dos jovens nas soluções da mobilidade escolar. O terceiro foi sobre mobilidade para todos, inclusão, acessibilidade. Depois o quarto foi sobre segurança rodoviária, foi no primeiro dia da Semana Global da Segurança Rodoviária das Nações Unidas, e este último foi no Dia Mundial da Bicicleta, no dia 3 de junho, e foi sobre ferramentas e tecnologias que venham a alavancar a mobilidade ativa, desde o repositório nacional de infraestruturas cicláveis que estamos a criar, a uma ferramenta que ajuda a planear a rede na área metropolitana de Lisboa, mas que é escalável para todos os outros municípios, e por fim também o nosso estudo que fizemos sobre sistemas de bike sharing municipais. Estamos a tentar, no fundo, coligir um conjunto de informação oficial que nos ajude depois a tomar melhores decisões de políticas públicas, porque as políticas públicas até agora são feitas mais por uma opção política do que com dados e com evidências e, portanto, nós agora também estamos a trabalhar nesse sentido, ter mais evidências sobre a importância da mobilidade ativa, as necessidades dos municípios e, lá está, respondermos às necessidades deles. Portanto, o meu conselho para os autarques é ouçam as pessoas. Nós, no fundo, estamos a ouvir os municípios e a tentar responder àquilo que são as necessidades deles.
[00:29:07] Gretel Schaj: Muito interessante, Sofia, toda a experiência em Portugal. Uma última pergunta, a pergunta que fazemos a todos os convidados. O que é para ti uma cidade inteligente?
[00:29:19] Sofia Pires: Ok, eu acho que a resposta mais fácil seria é uma cidade cheia de tecnologia, cheia de informação, de dados. Mas eu confesso, e como já há bocado disse, Quando trabalhei na área dos sistemas de transporte inteligentes e da condição autónoma e dos algoritmos e dos lidares e dos sensores e disso tudo, de facto acho que a tecnologia pode eslumbrar, mas no final do dia são as pessoas. Portanto, para mim, uma cidade inteligente tem de ser uma cidade que serve às pessoas.
Essencialmente é isso. Não sei se esperavas uma resposta mais elaborada, mais tecnológica. Não, gosto muito.
[00:29:56] Gretel Schaj: Gosto muito. Eu acho que normalmente é a resposta de muita gente, mas eu não sei porquê, mas esquecemos isso. Quando estamos a desenvolver projetos e a fazer coisas, esquecemos das pessoas.
[00:30:09] Sofia Pires: Sim, sim. É muito fácil nós ficarmos deslumbrados com a tecnologia, com o que é que um algoritmo pode fazer, o que é que um chart GPT ou um Gemini pode fazer. os sensores, quer dizer, há um conjunto de coisas que é útil, é muito útil ter informação ao passageiro, saber que chego àquela paragem e que dentro de minutos ou não vai chegar um autocarro, ajuda-me a tomar a decisão se vou a pé, se pego numa bicicleta. Fico ali à espera, porque não quero apanhar chuva e, portanto, fico. Ajuda a melhorar a vida dos cidadãos, mas é isso que tem de ser uma cidade inteligente. Tem que realmente ter toda a parte tecnológica e muito eslumbrante e toda muito espetacular, mas depois tem que ajudar as pessoas e tem que facilitar a vida das pessoas. Se não facilitar a vida das pessoas, então não é uma cidade inteligente e também não é uma cidade humana.
[00:31:01] Gretel Schaj: Na cidade humana, eu gosto muito disso. Obrigada, Sofia, obrigada pelo teu tempo. E a todos os nossos ouvintes, não se esqueçam que podem sempre criar uma conta gratuita em bubblesmartcities.eu para saber mais sobre projetos, soluções, implementações dessas Smart Cities e também sobre a CIVINET Ibéria. Muito obrigada, muito obrigada, Sofia.
[00:31:24] Sofia Pires: Obrigada, eu.